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quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

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Carta à presidenta Dilma Roussef

Retirado de falarua.org

O Fórum e o Comitê Nacional da População em Situação de Rua posicionam-se em relação às ações violentas que a população de rua vem sofrendo em diversas cidades do país




Exma. Sra. Dilma Rousseff
Presidente da República Federativa do Brasil

No novo tempo, apesar dos castigos,
Estamos em cena, estamos nas ruas, quebrando as algemas,
Pra nos socorrer, pra nos socorrer, pra nos socorrer...
IvanLins.

É com grande pesar que os representantes de entidades e fórum de entidades que subscrevem esta carta manifestam a V.Exa. o seu constrangimento e indignação em face das ações violentas que a população em situação de rua vem sofrendo em diversas cidades do país, pretensamente legitimadas pelo Programa Nacional de Combate ao Crack. Se não fosse trágico e de urgente intervenção, dispensável seria acrescentar que tais ações violam os direitos humanos, os direitos individuais e coletivos previstos pela Constituição Brasileira, especialmente aqueles estabelecidos pelo seu artigo 5º e diversos Tratados Internacionais de que o Brasil é signatário, tais como, o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, as Convenções contra a Tortura e outros Tratamentos Desumanos e Degradantes, a Declaração sobre Segurança nas Américas, entre outros. Essa campanha que se expande pelos quatro cantos do país discrimina, denigre e tortura esse grupo populacional. Com isso, joga no lixo todos os direitos que se desenvolvem a partir da norma constitucional que afirma “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade...” (art. 5º da Constituição Federal). É uma campanha de ódio que criminaliza os pobres que fazem uso ou são dependentes de drogas e deixa livre e impunes os traficantes de drogas pesadas, além de defender os interesses do capital especulativo, especialmente o imobiliário.

Desde 2006, as entidades que subscrevem esta carta, por meio de seus representantes, especialmente as que compõem o Fórum Nacional em Defesa de Direitos para a População em Situação de Rua, vêm contribuindo para a elaboração de Políticas Públicas nacionalmente articuladas, inicialmente no GTI- Grupo de Trabalho Interministerial, e atualmente, no Comitê Intersetorial de Acompanhamento e Monitoramento. O principal produto desta articulação é o Decreto nº 7.053, de 23 de dezembro de 2009, que aguçou a esperança de dias melhores para esse grupo populacional, por meio do acesso a políticas públicas.

Este Decreto prevê como princípios da Política Nacional para População em situação de Rua - PNPSR: a igualdade, a equidade, o respeito à dignidade da pessoa humana, o direito à convivência familiar e comunitária, a valorização e respeito à vida e à cidadania dessas pessoas, além de atendimento humanizado e universalizado. Para ser fiel a tais princípios, o Estado deve promover um conjunto de Políticas Intersetoriais, transversais e intergovernamentais, tal como previsto no art. 7º, inciso II, do referido Decreto.

No entanto, no ano em que seriam anunciadas conquistas para as pessoas em situação de rua em nosso país, o que temos presenciado, e, a grande mídia tem registrado, são as operações sangrentas e segregadoras que parecem visar ao extermínio dessa população: fechamento de espaço público urbano com uso de cavalaria, helicópteros e policiais armados com bombas de gás de efeito moral e armas pesadas, em cenas comparadas a guerras urbanas; revista constante e indiscriminada das pessoas, com intuito de apenas expulsá-las da região, deslocando-as de um lugar para o outro, sem rumo e sem qualquer atendimento social ; intervenção policial com violência mediante prisões ilegais, abuso de poder com utilização de balas de borracha e agressões, que resultaram em muitas pessoas feridas. Entre outros, há relato de uma jovem que foi baleada na boca por recusar a sair do local (O Estado de São Paulo, 9/1/12); destruição e recolhimento dos bens e materiais das pessoas, como colchões, cobertores, documentos, sacolas, fogão, carrinhos de catar papéis, consideradas “lixo”; condução a delegacias “para averiguação“ e identificação compulsória vedadas pela Constituição Federal; além de constrangimentos e humilhações (transporte das pessoas em bagageiros de carros, fotografias, cadastros).

Diante destes fatos, recordamos a mensagem da presidenta Dilma no encontro anual com a população em situação de rua e catadores de materiais recicláveis: “(...) a sociedade e o governo têm um dever em relação à população em situação de rua, e o primeiro deles é proteger a vida e proteger contra a violência (...) uma das formas de combater é deixar a violência bem clara, não deixar que ela se esconda, e, portanto, que ela se espalhe...” Nesse sentido, sentimos o dever de alertar novamente para que o que temíamos e está sendo confirmado. A violência contra esse grupo populacional já se estabeleceu em cidades como São Paulo, Florianópolis e Goiânia. O Comitê e o Fórum, entre outros movimentos sociais, há tempos têm repetidamente insistido em demonstrar para o Governo Federal que a População em Situação de Rua não é caso de polícia, mas sim de Políticas Públicas estruturantes, intergovernamentais, que dialoguem entre si de forma transversal.

Esta situação de quase guerra-civil por iniciativa do Estado não pode continuar. É necessário que cessem as violações e o Estado cumpra os direitos constitucionais supracitados e o que está disposto no Decreto n. 7053/2009. A população em situação de rua não pode mais ser culpabilizada pela situação em que se encontra, em grande parte resultante da omissão do Estado. É preciso ficar evidente que essa população é vítima de um processo histórico e de um sistema econômico que se estrutura a partir da exploração de uma classe social sobre outra, de um sistema que nega a condição de sujeito aos que vivem da venda de sua força de trabalho e constituem a maior parcela da sociedade. As medidas de limpeza humana, provocadas por ações higienizadoras evidenciam ações que já se repetiram em outras cidades sedes da COPA. Os olhos do mundo todo estarão voltados para o nosso país, e o que desejamos que seja visto por eles é um compromisso real com redução da pobreza e das desigualdades sociais, conforme anuncia o governo federal ao assumir o slogan “ Pais rico é um pais sem pobreza”. Esse compromisso pressupõe investir em políticas públicas acessíveis a todos, em segurança pública associada à garantia de direitos humanos e em promoção da dignidade de todos os cidadãos e todas cidadãs de nosso país. E é incompatível com genocídios. Afinal, o desenvolvimento de um país se mede não pela sua riqueza econômica, mas pela dignidade de seu povo, e esta deve estar acima de interesses econômicos e políticos”. É isso que esperamos acontecer com a população em situação de rua.

É por isso, que defendemos como medidas urgentes a serem adotadas:
  • A participação do Comitê em todas as decisões que dizem respeito à PSR;
  • A liberação de recursos para implementação de políticas habitacionais e de trabalho;
  • Cumprimento da Política de Saúde em relação ao álcool e drogas: Consultórios de rua, CAPS-AD, CERSAM, repúblicas terapêuticas, etc.;
  • Implantação de Centros de Defesa de Direitos Humanos da população em situação de rua em todas as capitais brasileiras;
  • Empenho do governo federal, por intermédio da SENASP e SDH para cessar as violações nos Estados e implementar políticas de promoção humana;
  • Imediata constituição de grupo de trabalho com a participação de representantes da sociedade civil para realização de pesquisa de natureza censitária sobre a população em situação de rua, sob coordenação do IBGE.
  • Adoção de um Programa Nacional para implementar a Política Nacional, com assessoria do IPEA- Instituto de Pesquisas Aplicadas.

Na expectativa de um pronunciamento favorável, aguardamos pronto retorno, certos de que podemos contar com o seu compromisso.

Cordialmente,

Coordenação do Fórum Nacional de Defesa de Direitos para a População em Situação

Representação da Sociedade Civil no Comitê de Acompanhamento e Monitoramento da Política Nacional da População em Situação de Rua



Contatos
Comitê: Samuel Rodrigues (31) 91773449 e Nina Laurindo ( 11) 91716612
Fórum Nacional: Anderson Miranda (11) 76038719 e Cristina Bove (31) 32938366/91868943

CCópia
Ministros de Estado
Ministro da Justiça –Dr. José Eduardo Cardozo
Ministra da Secretaria de Direitos Humanos – Sra. Maria do Rosario Nunes
Ministro-chefe da Secretaria Geral da Presidência da República do Brasil – Sr. Gilberto Carvalho
Secretarias
Secretaria Nacional de Segurança Pública – Sra. Regina Lukka Mikki
Secretaria Nacional de Promoção e Defesa dos Direitos Humanos- Dra. Maria Ivonete Tamboril

Observação
Informamos que esta carta será publicizada nas redes sociais.

sábado, 25 de fevereiro de 2012

Revista do Arquivo Nacional - Direitos Humanos

Segue abaixo o sumário do volume 24 da Revista Acervo, que foi dedicado ao I Seminário Internacional de Acesso à Informação e Direitos Humanos, realizado no Rio de Janeiro em 2010.

 

Acesso à informação e direitos humanos

 

Sumário

Apresentação PDF
Silvia Ninita de Moura Estevão, Vitor Manoel Marques da Fonseca 5-6

Entrevista

Entrevista com Antonio González Quintana PDF
  7-22

Artigos

O Direito de Acesso à Informação Relativa a Violações em Massa de Direitos Humanos
Catalina Botero Marino 23-36
Justiça de Transição
Esteban Cuya 37-78
 
Anistia: A política além da justiça e da verdade
Ana Lucia Sabadell, Dimitri Dimoulis 79-102
O Direito Penal como Instrumento de Justiça de Transição: O caso Brasil
Davi de Paiva Costa Tangerino 103-118
A Lei de Anistia no Brasil: As alternativas para a verdade e a justiça
Paulo Abrão 119-138
A Polícia Política do Estado Novo Português – PIDE/DGS: História, justiça e memória
Irene Flunser Pimentel 139-156
O Security Services Archive como um Produto Institucional Ímpar dos Direitos Humanos na República Tcheca


Lubomír Augustin 157-164
Segredos e Documentos: Acesso aos arquivos na Itália da Segunda Guerra Mundial ao presente


Giulia Barrera 165-180
O Direito às Informações Pessoais: História e verdade
Romualdo Pessoa Campos Filho 181-194
Do Direito de Saber: O acesso à informação pessoal privada nos arquivos da ditadura militar brasileira
Sérgio Carrara 195-204
A Proteção da Privacidade com a Abertura Plena dos Arquivos
James N. Green 205-216
Um Projeto Sobre Acesso
Trudy Huskamp Peterson 217-232
Acesso à Informação: Um direito fundamental e instrumental
Paula Ligia Martins 233-244
Liberdade de Informação: Influência sobre a prática profissional em gestão de arquivos
Michael Cook 245-256
Legislação de Acesso aos Arquivos no Brasil: Um terreno de disputas políticas pela memória e pela história



Georgete Medleg Rodrigues 257-286

quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

A abrigagem de "moradores de rua": um estudo sobre as trajetórias de exclusão e expectativas de reinserção.

 Resumo

A concentração populacional das grandes cidades, a reestruturação do trabalho e o pouco crescimento econômico estão criando situações de carências e problemas relacionados ao desemprego e à insegurança pessoal, vinculados a um quadro de extrema pobreza. Este quadro de exclusão se compõe em categorias, sendo uma delas a de moradores de rua. O estudo escolhido para esta monografia foi sobre as trajetórias de exclusão e expectativas de reinserção social no contexto da população adulta em situação de rua, especificamente os que estão acolhidos num abrigo público. Utilizou-se como teoria a desfiliação, de Robert Castel, com abordagem de categorias adaptadas à realidade brasileira. Foi realizada uma pesquisa de campo com roteiro de entrevistas semi-estruturadas, para que em conjunto com os dados fornecidos pelo abrigo, pudesse ser obtido um perfil deste usuário, verificando como ocorreu sua exclusão e o rompimento com suas redes de pertencimento, além das possibilidades de seu retorno para a sociedade. O trabalho de campo foi desenvolvido em abril de 2009, no Abrigo Municipal Bom Jesus, em Porto Alegre, e o universo desta pesquisa foram os abrigados daquele período.


Para visualizar o arquivo, clique aqui!

segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

Revista Direitos Humanos

Dentre todas as matérias interessantíssimas da Revista Direitos Humanos - nº 8, destacamos um artigo de Maria Carolina Tiraboschi Ferro sobre Política Nacional para a População em Situação de Rua: o protagonismo dos invisibilizados. Vale à pena dar uma conferida.



Para conferir a matéria, Clique Aqui.

sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012

Enfrentamento ao uso de crack

Retirado de Observatório de Favelas
 
Cecília Oliveira (cecilia@observatoriodefavelas.org.br)
Concentrar esforços na ampliação e modernização do sistema penitenciário, no combate ao crack e no monitoramento das fronteiras. Últimas notícias indicam que a presidente Dilma Roussef teria orientado o Ministério da Justiça a atuar estritamente nas áreas da segurança pública em que o governo tem papel primordial, como o estabelecido pela Constituição. Planos específicos de combate a homicídios ficariam a cargo dos governos estaduais. A suspensão do plano é por tempo indeterminado.

Dias antes o Governo Federal havia lançado um “plano anticrack” e anunciado investimentos de R$ 4 bilhões até 2014 em atuações que contemplam a ampliação do número de leitos disponíveis para internação e tratamento, o reforço da repressão ao tráfico e internação compulsória e a criação de consultórios de rua, centros de atendimento 24h e enfermarias especializadas para tratar usuários em abstinência ou em intoxicação grave.
As ações serão integradas entre os Ministérios da Saúde e da Justiça.  “O fato de o plano ter sido anunciado pelo ministro da saúde, Alexandre Padilha, é um grande diferencial”, diz Pedro Abramovay, advogado e ex-Secretário Nacional de Justiça , entrevistado pelo Programa de Redução da Violência Letal, sobre a política de drogas adotada no país e o decreto Nº 7.637, de 8 de dezembro de 2011 que altera o decreto no 7.179, de 20 de maio de 2010, instituindo o Plano Integrado de Enfrentamento ao Crack e outras Drogas. No fim de dezembro foi baixada ainda a a portaria 3088, que institui a Rede de Atenção Psicossocial para pessoas com sofrimento ou transtorno mental e com necessidades decorrentes do uso de crack, álcool e outras drogas, no âmbito do Sistema Único de Saúde.

Notícias&Análises: O modelo de política de drogas adotado pelo Brasil é eficaz? Por quê?

Pedro Abramovay:
Não. Poucos países hoje têm uma política de drogas voltada para sua realidade, a realidade da América Latina, no caso do Brasil. As convenções internacionais não produzem bons resultados há 50 anos. O modelo repressivo esgotou.

N&A: As vésperas do natal foi anunciada a portaria 3088, que Institui a Rede de Atenção Psicossocial para pessoas com sofrimento ou transtorno mental e com necessidades decorrentes do uso de crack, álcool e outras drogas, no âmbito do Sistema Único de Saúde. Um investimento de R$ 4 bilhões. O que de fato mudará com sua implantação?

PA: O estabelecimento da Portaria no geral é positiva, uma vez que ela trata o tema como uma política de saúde. Os riscos de sua interpretação é que são grandes. O debate acerca do tema é muito grande. Qual o melhor modelo de atendimento? O de atendimento nas ruas? O usuário de crack é específico, problemático. O usuário de cocaína, por exemplo, não tem este perfil, não faz uso na rua. Então, deve-se atentar para o viés social das ações. Existem dois modelos previstos na portaria: a) Modelo de atendimento presencial, que tende a reduzir danos e construir alternativas, em liberdade b) Modelo de internação conpulsória, que deve ser exceção. O problema é que embora o ministro Padilha tenha inclusive dito isto, a portaria não deixa isso claro. Deve privilegiar a intervenção que valorize a liberdade. O sucesso maior deve ser como o de Londrina, focado no atendimento ambulatorial na rua, sem a ameaça de internação compulsória. Os consultórios de rua não podem se tornar meios de transporte para internar os usuários. Não pode ser uma “carrocinha”.

N&A: O Plano prevê a internação compulsória de usuários de crack, um ponto polêmico, principalmente no tangente a crianças e adolescentes. Isso é eficaz?


“As convenções internacionais não produzem bons resultados há 50 anos. O modelo repressivo esgotou”, diz Pedro Abramovay, advogado e ex-Secretário Nacional de Justiça
“As convenções internacionais não produzem bons resultados há 50 anos. O modelo repressivo esgotou”, diz Pedro Abramovay, advogado e ex-Secretário Nacional de Justiça
PA: Este é um ponto de risco, já que o plano é nacional, mas quem vai implementar as ações são os governos locais. A portaria não diz claramente, mas há um viés ideológico e quem vai executar as ações são os municípios. A internação compulsória, de maneira alguma, deve ser regra. Há casos – a exceção da exceção – casos raros, em que os usuários não querem se tratar. E nestes casos, a internação compulsória é um desastre, com poucos resultados. Em último caso, se ele não quer fazer o tratamento, é preciso ensiná-lo a conviver com sua realidade, com a realidade de seu vício. Fora esta questão, há a violação de direitos humanos. E as pessoas internadas compulsoriamente que não precisavam deste tipo de tratamento? Como é feita a avaliação que indica este tipo de tratamento? Quem faz? Há denúncias de que estão internando usuários de maconha. É uma reprodução do filme “Bicho de 7 cabeças”.

N&A: Em SP a polícia tem feito operações sistemáticas nas cracolândias. O prefeito da cidade declarou que a “ação da PM na região central é um avanço”. São feitas abordagens (algumas vezes com uso excessivo da força), há limpeza do local, mas os usuários perambulam por territórios próximos. Os governos locais têm apostado nas estratégias corretas de enfrentamento ao uso do crack e de outras drogas?

PA: Vejo uma certa tentativa de aproximar a política de segurança de São Paulo – cracolândia -  à política do Rio de Janeiro – Ocupações militares para instalação de Unidades de Polícia Pacificadoras. É uma estratégia equivocada. A realidade de São Paulo é diferente da do Rio, onde há necessidade de ocupação militarizada por causa do crime organizado. O problema da cracolândia não é um problema de segurança pública. É um problema de saúde pública e social. Assim não dá certo. A polícia não acaba com o tráfico de drogas em nenhum lugar do mundo. Este tipo de ação policial tem efeito contrário, acaba afastando o usuário, ele não busca tratamento. Tem medo. Ele não busca ajuda. Outro ponto que agrava a situação é em relação a diferença entre usuário e traficantes, previsto em lei. Isso não é muito claro e alguns usuários, em algum momento, já venderam drogas para sustentar seu vício. Não é uma coisa simples de resolver, com a polícia militar. Mas isso [ocupação militarizada do espaço] tudo tem um grande efeito de marketing, inclusive em relação ao uso dos termos ‘ocupar, ocupação’, que remete ao que acontece no Rio.

N&A: A impressão que se tem sempre que se toca nesse assunto é que, de modo geral, sabe-se pouco acerca da forma como o crack atinge os diversos estados e municípios do país e até mesmo sobre as dinâmicas de uso, abuso e dependência dessa droga. A revelia de estudos e pesquisas, diversos estados vêm formulando intervenções e políticas de tratamento, inclusive lançando mão do recurso da internação psiquiátrica, seja ela voluntária, involuntária ou compulsória. Poderíamos dizer então que essas medidas estão mais calcadas em estigmas e preconceitos sociais do que propriamente numa racionalidade científica? Quais seriam as consequências disso?

PA: Isso acontece de uma forma geral com as políticas de drogas no mundo. Refutam a ciência como se faz em poucas áreas de políticas públicas. A lista da ONU, por exemplo, coloca a maconha como a droga mais pesada. Com base em que? Hoje as políticas de drogas são mais preocupadas com respostas do que com soluções. Os resultados obtidos não têm ligação com os objetivos das políticas! Observe que o que é divulgado é sempre relacionado com número de apreensões, de prisões. O que isso tem a ver com os objetivos? Apreende-se mais, mas o consumo não cai.

N&A: Na audiência pública convocada pela Comissão de Direitos Humanos da Assembléia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro para discutir ações de combate ao crack, ficou claro que não houve participação de órgãos governamentais ligados à saúde mental na formulação e implementação das ações voltadas para o problema do crack, que foram, inicialmente, pautadas em ações de recolhimento de pessoas em situação de rua  e supostamente dependentes, com a presença de educadores sociais, assistentes sociais, guardas municipais e policiais. Isso atestaria um caráter higienista que segue a lógica do choque de ordem ao invés de um viés terapêutico?

PA: Sim! É mais fácil agir assim, com base na “ordem”, do que resolver o problema.

N&A: No site por você idealizado, o Banco de Injustiças, são contatadas histórias de vidas arruinadas pelos abusos cometidos pelo sistema judiciário na aplicação da Lei de Drogas. O desenho da política de enfrentamento ao uso do crack e outras drogas produzirá mais destas histórias ou amenizará o problema?

PA: É um fato histórico o Plano Integrado de Enfrentamento ao Crack e outras Drogas ser anunciado pelo ministro da saúde. O grande investimento também é um ponto positivo. Isso deve ser comemorado. Mas temos que lembrar que o governo federal não executa ações. Isso ficará a cargo dos municípios. Sendo assim, há de se ter uma grande fiscalização sobre como o Plano será implantado pra que histórias como as contadas no site não se repitam.

domingo, 5 de fevereiro de 2012

Casos de 'escravidão moderna' são denunciados na Europa

Morador de rua na Europa Foto: AP
Homens em situação vulnerável seriam as principais vítimas 

Grupos criminosos ligados a comunidades nômades na Grã-Bretanha e Irlanda vêm levando homens ao exterior para fazê-los trabalhar em um sistema próximo à escravidão.
Uma investigação realizada pela BBC descobriu 32 vítimas nesta situação e casos foram confirmados em seis países europeus, incluindo Suécia, Noruega e Bélgica.
A Comissão Europeia diz que os números revelam apenas a ponta do iceberg e descreve a situação como "escravidão moderna".
As quadrilhas escolhem vítimas em situação vulnerável: homens que vivem nas ruas britânicas, frequentemente lutando contra o vício em álcool e drogas.
Eles recebem uma promessa de trabalho bem remunerado, mas assim que eles chegam ao exterior são forçados a cumprir uma longa e dura jornada de trabalho asfaltando estradas por pouquíssima ou nenhuma remuneração.
A BBC conversou com um britânico que chegou ao porto de Malmo, na Suécia, junto com outros dois homens que viviam nas ruas quando foram encontrados.
Ele não quis se identificar, mas contou que eles trabalhavam 14 horas por dia e viviam em condições terríveis e sob ameaça constante.
"Vi pessoas ameaçadas com machados, vi pessoas levando socos e chutes. Quase me jogaram de um veículo em movimento uma vez. É uma situação muito tensa. A gente fica imaginando o que vai acontecer em seguida."
Ele conta que tinha medo de fugir, até que a polícia sueca ofereceu ajuda.

'Procurando os mais vulneráveis'

A comissária europeia para assuntos internos, Cecilia Malmstron, teme que esses casos sejam apenas uma pequena parte de uma situação muito mais grave e complexa.
"É um crime horrível e é escravidão moderna", disse ela.
"As vítimas não costumam denunciar pessoalmente que foram vítimas de tráfico humano, porque, muitas vezes, não confiam nas autoridades e têm medo de sofrer represálias."  David Ellery, Europol
"Estão se aproveitando de pessoas muito vulneráveis e especialmente durante tempos de crise econômica, pessoas que perderam seus empregos, que não têm onde viver, que foram expulsas de casa por seus familiares. Temos que agir com mais força do que temos feito. Apenas recentemente nos demos conta da magnitude do problema."
O responsável por tráfico humano na Europol, o Serviço Europeu de Polícia, David Ellery, disse que as quadrilhas de nômades vêm cometendo esses crime há muito tempo.
"Eles vêm atacando os mais vulneráveis na sociedade, forçando-os a trabalhar, mas os casos não estão categorizados como tráfico humano. As gangues normalmente funcionam no norte da Europa, em zonas rurais, concentrando-se em conseguir vítimas locais de idade avançada."
Um relatório sobre o tráfico humano na Suécia, publicado em 2010, encontrou 26 casos de tráfico humano não-relacionados a sexo.
"Em especial, tratava-se de britânicos e irlandeses fazendo trabalhos de pavimentação na Suécia."
"As vítimas não costumam denunciar pessoalmente que foram vítimas de tráfico humano, porque, muitas vezes, não confiam nas autoridades e têm medo de sofrer represálias."

'Realidade brutal'

Oliver Hayre, de 22 anos e do condado de Lincolnshire, na Inglaterra, morreu em um incêndio em um trailer, em 2005, depois de trabalhar sob péssimas condições para uma quadrilha de nômades por mais de três meses.
O detetive Guy Collings, que investigou a morte, afirmou: "Do meu ponto de vista, Oliver foi definitivamente vítima de uma quadrilha de indivíduos que, na prática, o mantiveram como refém, tomando seu passaporte e ameaçando usar violência."
Os pais de Oliver Hayre querem que o governo britânico faça mais para impedir esse tipo de exploração.
"Estamos no século 21. Abolimos a escravidão, mas não de verdade... Minha percepção é que as autoridades fazem vista grossa e a intimidação contra Oliver era real. Custou-lhe a vida", disse o pai do rapaz, Martin Hayre.
"A ampla natureza do problema significa que é essencial que policiais locais pensem em novos métodos para investigar este tipo de crime, como manter encontros regulares com ONGs de moradores de rua, locais que servem 'sopão' e centros de imigrantes." Aidan McQuade, diretor da ONG Anti-Slavery International
Outro relatório policial obtido pela BBC revela como a escravidão tornou-se um negócio lucrativo para as quadrilhas. Um cálculo descrito como "conservador" indica que os grupos estariam ganhando US$ 5 milhões por ano com o trabalho irregular.
Em 2007, a polícia norueguesa estimou que gangues nômades operando no país estariam ganhando mais de US$ 11 milhões por ano.
Aidan McQuade, diretor da ONG Anti-Slavery International, disse que "o fato de que homens em bom estado de saúde estão sendo ameaçados ou coagidos a trabalhar sem salário e temendo por sua segurança reflete a realidade brutal da escravidão moderna."
"A ampla natureza do problema significa que é essencial que policiais locais pensem em novos métodos para investigar este tipo de crime, como manter encontros regulares com ONGs de moradores de rua, locais que servem 'sopão' e centros de imigrantes, para identificar riscos e vítimas em potencial, além de conseguir informações sobre como as gangues operam."
Tanto o Ministério do Interior britânico como a Comissão Europeia afirmaram estar trabalhando para evitar novos casos de escravidão.
"Isso não deveria estar acontecendo na Europa hoje e devemos fazer todo o possível para impedir que aconteça", disse a comissária Malmstron.

Crack: Após um mês, operação combate usuário e não o traficante

Retirado de vermelho.org


Nesta sexta-feira (3) a “Operação Sufoco” completa um mês. Deflagrada pelo prefeito Gilberto Kassab (PSD) e pelo governador Geraldo Alckmin (PSDB), a ação passa longe de dar fim ao tráfico no centro de São Paulo. Até a noite desta quarta foram apreendidos apenas 3kg de crack. Enquanto isso, dezenas de usuários seguem sem atendimento. Acompanhe a reportagem exclusiva da TV Vermelho sobre o tratamento público que o Brasil vem dando aos usuários de drogas.


Por Carla Santos

Desde o dia 3 de janeiro, a TV Vermelho acompanha de perto a situação de usuários de drogas e moradores do bairro da Luz, região conhecida como “Cracolândia”. Conversamos com médicos, ex-usuários, movimentos sociais, agentes de saúde e ONGs que atuam na região. Também visitamos famílias que nunca pisaram na Cracolândia e, no entanto, convivem com o crack dentro de casa.

Para os sujeitos desta história, o tratamento é sempre o mesmo: violência e repressão.

Segundo o boletim da Polícia Militar, atualizado em 1º de fevereiro, o números de pessoas presas (196) na Operação Centro Legal, nome oficial da ação, é praticamente igual ao número de pessoas que conseguiram internação (186). Já o número de abordagens policiais (11.509) é mais que o dobro das abordagens realizadas pelos agentes de saúde (5.468).

Ao total foram apreendidos 63kg de drogas, 43 deles só de maconha e outros 16kg de cocaína. Apenas para efeito de comparação, a polícia do Paraná apreendeu cerca de um terço (20 kg) do total apreendido em um mês pela polícia de São Paulo apenas na madrugada desta quinta (2), na Cidade Industrial de Curitiba.

Tratamento

Enquanto a repressão aumenta, o número de investimentos para o tratamento aos usuários permanece, na prática, o mesmo de antes da operação. Além do Centro de Convivência da Rua Prates, no Bom Retiro — que abriu sem atendimento de saúde — e o anúncio do ministro da Saúde, Alexandre Padilha, de liberar R$ 6,3 milhões para São Paulo aplicar no combate ao crack, nada de concreto foi feito.

Quem mora no Centro sabe que a situação só tende a piorar. Com os novos despejos realizados nesta quinta pela Prefeitura, aumenta ainda mais o número de pessoas em situação de rua. Novamente é a polícia chegando no lugar do médico, do professor, e com o objetivo de tirar as pessoas de territórios exclusivamente reservados à especulação imobiliária.

Por hora, os usuários continuam tendo o bom e único Centro de Atenção Psicossial — especializado em álcool e drogas, o CAPS-ad 3 – aberto 24h da Praça da Sé. Ao todo, o Brasil tem 258 unidades deste tipo. O Plano Nacional de Enfrentamento ao Crack promete mais 175 unidades até 2014. No entanto, os investimentos para área previstos para 2010 só foram gastos em 2011.

Como se percebe, a luta para que o dinheiro efetivamente chegue a quem precisa continua sendo uma batalha diária para a sociedade brasileira.

sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012

Oficializado projeto que luta pelos direitos dos moradores de rua

Retirado de DPU.gov Imprimir

São Paulo, 01/02/2012 – Foi instituído, na quarta-feira (25), grupo de trabalho destinado à defesa dos direitos das pessoas em situação de rua (GT-RUA). A Portaria 42, que trata do assunto, foi publicada no Diário Oficial da União, à seção 2, página 27.

O documento, assinado pelo defensor público-geral federal, Haman Tabosa de Moraes e Córdova, designa os defensores federais Fábio Ricardo Corrégio Quaresma e Viviane Ceolin Dallasta como coordenadores do grupo. Ainda de acordo com a portaria, o GT está subordinado ao subdefensor público-geral federal, Afonso Carlos Roberto do Prado, e terá vigência até setembro deste ano.

Segundo Viviane Dallasta, o projeto, que é realizado em parceira com a Defensoria Pública do Estado de São Paulo, é essencial para as pessoas em situação de rua, cuja assistência é prioridade da instituição. “A oficialização do grupo de trabalho por meio da Portaria 42, não só aumenta a responsabilidade e o comprometimento dos defensores integrantes do grupo, como também legitima e respalda o pleiteio de eventuais incentivos para o GT-RUA”, afirmou.

A partir da atuação do GT-RUA, a população que vive nas ruas de São Paulo poderá ter garantidos direitos como o acesso a benefícios previdenciários, auxílio-doença, regularização de documentos, entre outros.

Defensores federais e estaduais prestam atendimento jurídico gratuito às terças e quintas-feiras, das 9h às 12, no Serviço Franciscano de Solidariedade (Sefras), localizado à Rua Riachuelo, 268, no centro de São Paulo.

O grupo

O GT-RUA iniciou suas atividades em setembro de 2011 com a finalidade de estruturar e desenvolver o programa de efetivação dos direitos daqueles que vivem nas ruas.

Inicialmente, o grupo contou com a atuação dos defensores Adriana Ribeiro Barbato, André Luiz Naves Silva Ferraz, Daniela Delambert Chryssovergis Coelho, Fábio Ricardo Corrégio Quaresma, João Freitas de Castro Chaves, Nara de Souza Rivitti, Pedro Paulo Raveli Chiavini e Viviane Ceolin Dallasta.

Com a oficialização do GT-RUA, os defensores federais Alessandra Alves de Olivera, Ana Lúcia Marcondes, André Luis Rodrigues, Antônio Roversi, Camila Taliberti Pereto, Daniel Chiaretti, Daniele Osório, Eduardo Levin, Fabiana Galera Severo, Guilherme Junqueira de Andrade, Gustavo Henrique Virginelli, Maíra Yumi Hasunuma, Roberto Pereira Del Grossi e Tiago Campana Bullara passaram a fazer parte da iniciativa.

Comunicação Social DPGU

Ação no Pinheirinho viola direitos, diz relatora da ONU

Matéria do dia 27/01/2012, retirada do site da Folha

ELEONORA DE LUCENA
DE SÃO PAULO

O processo de reintegração de posse de Pinheirinho viola os direitos humanos. É preciso suspender o cerco policial e formar uma comissão independente para negociar uma solução para as famílias.
A opinião é da relatora especial da ONU para o direito à moradia adequada, a arquiteta e urbanista Raquel Rolnik, 55, que enviou um Apelo Urgente às autoridades brasileira pedindo explicações sobre o caso. Para ela, professora da FAU/USP, o país caminha para trás no campo dos direitos humanos e a pauta da inclusão social virou "sinônimo apenas da inclusão no mercado".
Nesta entrevista, ela avalia também o episódio da cracolândia. Faz críticas do ponto de vista dos direitos humanos e da concepção urbanística. Rolnik aponta para violações de direitos em obras da Copa e das Olimpíadas e avalia que "estamos indo para trás" em questões da cidadania.
No plano mais geral, entende que o desenvolvimento econômico brasileiro está acirrando os conflitos em torno da terra --nas cidades e nas zonas rurais. E defende que "as forças progressistas", que na sua visão abandonaram a pauta social, retomem "essa luta".
A seguir, a íntegra.
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Folha - Qual sua avaliação sobre o caso Pinheirinho?
Raquel Rolnik - Como relatora enviei um Apelo Urgente às autoridades brasileiras, chamando atenção para as gravíssimas violações no campo dos direitos humanos que estão acontecendo no processo de reintegração de posse no Pinheirinho. Posso apontar várias dessas violações. Minha base legal é o direito à moradia adequada, que está estabelecido nos pactos e resoluções internacionais assinados pelo Brasil e que estão em plena vigência no país.
O grande pano de fundo é que não se remove pessoas de suas casas sem que uma alternativa de moradia adequada seja previamente equacionada, discutida em comum acordo com a comunidade envolvida. Não pode haver remoção sem que haja essa alternativa. Aqui se tem uma responsabilização muito grave do Judiciário, que não poderia ter emitido uma reintegração de posse sem ter procurado, junto às autoridades, verificar se as condições do direito à moradia adequada estavam dadas. E não estavam.
O Judiciário brasileiro, particularmente do Estado de São Paulo, não obedeceu à legislação internacional. A cena que vimos das pessoas impedidas de entrar nas suas casas e de pegar seus pertences antes que eles fossem removidos para outro local --isso também é uma clara violação. Isso não existe! Nenhuma remoção pode deixar a pessoa sem teto. Nenhuma remoção pode impor à pessoa uma condição pior do que onde ela estava. São duas coisas básicas.
Nenhuma remoção pode ser feita sem que a comunidade tenha sido informada e tenha participado de todo o processo de definição do dia da hora e da maneira como isso vai ser feito e do destino de cada uma das famílias.
Tudo isso foi violado. Já violado tudo isso, de acordo com a legislação da moradia adequada, tem que fazer a relação dos bens. Remoção só deve acontecer em último caso. Isso foi absolutamente falho.
Essa área não poderia ser decretada de importância social?
Não pode haver uso da violência nas remoções, especialmente com crianças, mulheres, idosos e pessoas com dificuldade de locomoção. Vimos cenas de bombas de gás lacrimogêneo sendo jogadas onde tinham mulheres com crianças e cadeirantes. Coisa absolutamente inadmissível.
Desde 2004 a ocupação existe e acompanhei como ex-secretária nacional dos programas urbanos do Ministério das Cidades. A comunidade está lutando pela urbanização e regularização desde 2004. Procuramos várias vezes o então prefeito de São José dos Campos para equacionar a regularização e urbanização.
O governo federal ofereceu recursos para urbanizar e para regularizar a questão fundiária. O governo federal não executa. O recurso é passado para municípios.
O que aconteceu?
Prefeito do PSDB jamais quis entrar em qualquer tipo de parceria com o governo federal para viabilizar a regularização e urbanização da área.
Por quê?
Pergunte para ele. Nunca quis tratar. A urbanização e regularização da área seria a melhor solução para o caso. A situação é precária do ponto de vista de infraestrutura, mas poderia ser corrigida. Aquela terra é da massa falida da Selecta, que é um grande devedor de recursos públicos, de IPTU. A negociação dessa área seria facilitada.
Se poderia estabelecer com eles uma dação em pagamento. Mesmo se não fosse viável uma dação em pagamento, a terra poderia ser desapropriada por interesse social, pelo município, Estado ou União.
Como fica a questão dos credores da massa falida?
Não sei quantos e quais são os credores. Recebi informações, que não sei se estão confirmadas, de que os maiores credores são os próprios poderes públicos, prefeitura municipal, Estado e governo federal, dívidas de INSS e impostos com o governo federal, principalmente dívidas com o município e governo federal. Não tenho certeza. Faz todo o sentido o equacionamento dessa terra para os poderes públicos e a posterior regularização fundiária para os moradores.
Como a sra. analisa a questão da disputa partidária no episódio, envolvendo PSDB, PT. O PSTU jogou para o confronto? Poderia ter solução sem confronto?
Não podemos ignorar que a questão partidária intervém nessa questão e em muitas outras. Há presença do conjunto dos partidos do país na disputa dos conflitos fundiários, assim como no investimento, regularização e urbanização dessas áreas. Existe a questão partidária e ela foi explorada nesse caso.
A questão fundiária do Brasil é politizada integralmente. Não só nesse caso. Há presença dos partidos também no momento que se muda o zoneamento da cidade para atender os anseios de determinados grupos imobiliários que vão doar para determinadas campanhas. Não tem processo decisório sobre a terra no Brasil que não esteja atravessado por questões econômicas e políticas.
Independentemente disso, atender plenamente aos direitos dos cidadãos tem que ser cobrado por nós, cidadãos brasileiros. Não quero saber se o PT, o PSDB, o PSTU estão querendo tirar dividendos disso. Como cidadã, isso não interessa. O que interessa é que o cidadão, as pessoas têm que ser tratadas como cidadãos, independentemente da sua renda, independente se são ocupantes formais ou informais da terra que ocupam, independentemente da sua condição de idade, gênero.
Não pode haver diferença e nesse caso houve claramente um tratamento discriminatório. E isso a lei brasileira impede que seja feito. Então há uma violação.
O PSTU jogou para o confronto?
Não tenho detalhes de como cada uma das lideranças agiu antes e durante a entrada da polícia. Se houve um líder que conclamou à violência, essa informação eu não tenho. É fato que a comunidade procurou resistir, porque acreditou que aquela liminar que suspendia a reintegração ainda estava válida. Por isso resistiu. Pode ter alguém conclamando à resistência ou não. Se a comunidade vai entrar nessa ou não, depende da própria avaliação que a comunidade faz: se ela tem chance de ficar ou não. A comunidade acreditou que a liminar estava suspensa e estava apostando em uma solução que estava em andamento.
Chamo atenção para a enorme irresponsabilidade do Judiciário nesse caso. Tínhamos uma situação de negociação em andamento. Sou contra [o confronto]. Sou absolutamente a favor de soluções pacíficas e, nesse caso, elas não foram esgotadas. Um contingente de 1.800 homens, helicópteros, usando elemento surpresa, uma linguagem de guerra.
Como avalia PT e PDSB nesse caso. A sra é do PT, não?
Não. Eu aqui falo como relatora dos direitos à moradia adequada. A questão partidária que existe é irrelevante. Os direitos dos cidadãos precisam ser respeitados.
O que se deve esperar como consequência concreta desse Apelo? A sra. acredita que possa haver reversão desse processo?
As autoridades têm 48 horas para responder ao Apelo. Confirmando ou não as informações de violação. Estamos alegando que houve informações sobre feridos, eventualmente mortes, que não houve. O Apelo é mandado para a missão permanente do Brasil em Genebra, que manda para o Ministério das Relações Exteriores e o MRE é quem faz o contato com a prefeitura, o governo do Estado e os órgãos do governo federal para responder.
Amanhã [hoje] faço um pronunciamento público. Nele peço que seja imediatamente suspenso o cerco policial, que se estabeleça uma comissão de negociação independente, com a participação da prefeitura, governo do Estado, governo federal e representação da própria comunidade, para que se possa encontrar uma solução negociada para o destino da área e das famílias. Que é a questão principal: o destino das famílias. Na minha opinião, idealmente, isso deveria envolver a própria área.
A sra. não descarta a hipótese das famílias voltarem para a mesma área?
Não descarto. Se houver um acordo em torno da questão da terra, inclusive com a massa falida da Selecta, seria possível. O mais importante: temos que acabar com esse tipo de procedimento nas reintegrações de posse no Brasil.
Não é só no Pinheirinho que estão acontecendo violações. Tenho denunciado como relatora que as remoções que estão acontecendo também violações no âmbito dos projetos de infraestrutura para a Copa e para as Olimpíadas. Menos dramáticas, talvez, do que no Pinheirinho, mas igualmente não obedecendo o que tem que ser obedecido.
A questão social no Brasil ainda é um caso de polícia?
Infelizmente tenho a sensação de que estamos indo para trás. Porque nós --e a minha geração fez parte disso-- lutamos pelo Estado democrático de direito, pela questão da igualdade do tratamento do cidadão, pela questão dos direitos humanos. Para nós, a partir da Constituição isso virou um valor fundamental.
Nesta mesma Constituição se reconheceu o direito dos ocupantes de terra com moradia, que ocuparam por não ter outra alternativa.
Está na Constituição e, agora que o Brasil está virando gente grande do ponto de vista econômico, estamos voltando para trás no que diz respeito a esses direitos. Estamos assistindo a remoções sendo feitas sem respeitar [esses direitos]. Estamos assistindo um discurso totalmente absurdo --de que eles, que ocupam áreas, que não tiveram outra alternativa, são invasores. Como eles não obedeceram a lei, não temos que obedecer lei nenhuma com eles.
É um discurso pré-Constituinte. Isso foi amplamente reconhecido na Constituição. Tem artigo sobre isso. Estamos tratando essas questões não só aí [no Pinheirinho]. Veja como isso está sendo tratado na cracolândia. Vemos isso em várias remoções nos casos da Copa e das Olimpíadas. Simplesmente há um discurso: eles são invasores, não obedeceram a lei, para eles não vale nada da lei. Estamos picando a Constituição.
Por que estamos indo para trás?
É preciso ver como se foi constituindo uma pauta dominante. Como a pauta da inclusão social acabou sendo sinônimo apenas da inclusão no mercado, via melhoria das condições de renda. A inclusão no campo cidadão acabou tendo um papel muito menor e menos importante.
Nesse momento de desenvolvimento econômico muito importante, as terras urbanas e rurais adquirem um enorme valor econômico. Os conflitos em torno da terra estão sendo acirrados em função disso, dado o enorme e importante valor que a terra está assumindo. A exacerbação dos conflitos de terra tem a ver com o aumento do interesse pela terra.
Qual sua visão sobre os incêndios em favelas em São Paulo?
Que favelas pegam fogo em São Paulo? As favelas melhor localizadas. Não vejo notícia de favela pegando fogo na extrema periferia na região metropolitana, que é onde mais tem favela.
Qual é a sua hipótese?
A hipótese tem a ver com a importância estratégica de uma parte da terra ocupada por favelas --a importância estratégica para o mercado imobiliário de uma parte da terra ocupada por favelas. Trata-se de uma espoliação: uma terra valiosa em que você tira a favela e pode atualizar o seu valor. Dentro de um modelo em que o único valor que importa é o valor econômico e os outros valores não importam, tirar essa terra valiosa de uma ocupação de baixa renda faz sentido.
Mas a terra tem outros valores. Por exemplo, a função social da terra, outra coisa que está escrita na nossa Constituição. Não estou afirmando que esses incêndios sejam criminosos, porque não tenho nenhuma prova, nenhuma referência que me permita dizer isso. Entretanto, acho fundamental que esses incêndios sejam investigados. Por que esses incêndios estão ocorrendo agora exatamente nessas favelas?
Como a sra. analisa a questão da Cracolândia?
Tem muito a ver com isso tudo, embora existam outros direitos humanos envolvidos. Estamos fazendo um Apelo Urgente também sobre a cracolândia, conjuntamente com o relator para direitos da saúde e com o relator sobre tratamento desumano e tortura. Devemos enviar brevemente.
Estamos numa situação em que um projeto urbanístico, que é o da Nova Luz, tem como principal instrumento a concessão dessa área integralmente para a iniciativa privada. A viabilização para a concessão dessa área é entregar essa área "limpinha". "Limpinha" significa sem nenhuma população vulnerável, marginal, ambígua sobre ela. E, no máximo possível, com imóveis demolidos, para permitir que se faça um desenvolvimento imobiliário com coeficiente de aproveitamento muito maior, prédios mais altos etc. E, portanto, com muito mais potencial de valor no mercado. Isso está diretamente relacionado ao modelo da concessão urbanística.
No plano urbanístico da Nova Luz, um dos principais princípios é liberar áreas dos imóveis e das pessoas que ocupam hoje, para permitir que essas áreas sejam incorporadas pelo mercado imobiliário com potenciais de aproveitamento maiores.
Tenho uma crítica do ponto de vista dos direitos humanos, da forma como tem sido feito. Como no caso do Pinheirinho: uso da violência policial e incapacidade de diálogo com a população. Mas também como urbanista tenho uma enorme crítica a esse plano da Nova Luz, que desrespeita o patrimônio material e imaterial ali presente. O bairro da Santa Ifigênia é o bairro mais antigo de São Paulo. É o único que ainda tem uma morfologia do século 18. Uma parte dos imóveis que está sendo demolida, supostamente interditada, deveria ser restaurada e reocupada. A ação é duplamente equivocada --do ponto de vista urbanístico e dos diretos humanos.
Como a sra. resume toda essa situação? É um processo de expulsão dos mais pobres?
Exatamente. Eu me recuso a chamar aquele local de cracolândia, porque foi um termo forjado pela Prefeitura de São Paulo. O fato de essa área estar ocupada por pessoas viciadas, que estão no limite da inumanidade, foi produto da ação da prefeitura, que entrou nessa área demolindo, largando a área, não cuidando da área, deixando acumular lixo e transformando essa área em terra de ninguém.
Isso é fruto da ação da prefeitura e não da falta de ação da prefeitura. Para depois chamar de cracolândia e depois constituir um motivo para entrar dentro dessa área derrubando tudo, prendendo todo mundo e limpando aquela área como terra arrasada para que uma ação no mercado imobiliário possa acontecer.
Qual é o panorama geral?
Estamos caminhando perigosamente no sentido da hegemonia do valor econômico da terra como único valor, desconstituindo avanços importantes que a sociedade brasileira fez no reconhecimento do direito de cidadania. Isso é muito perigoso para o país. Espero sinceramente que a partir da comoção do debate gerado sobre o Pinheirinho se possa reverter esse caminho.
A sra. está otimista?
O Brasil tem a faca e queijo na mão para poder mudar radicalmente de atitude. O Brasil tem recursos econômicos. Tem um ordenamento jurídico que permite respeitar os direitos.
O Judiciário tem que acordar para aplicar não apenas o direito de propriedade nos processos que envolvam conflitos de propriedade, mas também o resto do ordenamento jurídico que temos.
Os Executivos municipais, estaduais e federais também têm que rever a sua ação no sentido de obedecer isso. Temos recursos e temos uma base jurídica para poder recuperar esse caminho.
O modelo hoje beneficia os mais ricos?
É muito genérico falar dos mais ricos. É preciso ver quais são os interesses beneficiados e que não estão sendo beneficiados. Qual é a coalizão de interesses que está promovendo esse tipo de ação.
Temos que entender que sempre existiram forças conservadoras no país. Por que hoje elas têm mais força, mais poder? As forças progressistas abandonaram essa pauta e essa agenda e precisam retomá-las. Existem forças progressistas no Brasil.
Abandonaram a pauta social por quê?
Porque privilegiaram fundamentalmente a inclusão pelo consumo, o maior poder de compra, a valorização de salário, que são pautas fundamentais. Mas não pode ser só isso. Está na hora das forças progressistas retomarem essa luta.