Retirado de falarua.org
O Fórum e o Comitê Nacional da População em Situação de Rua posicionam-se em relação às ações violentas que a população de rua vem sofrendo em diversas cidades do país

Exma. Sra. Dilma Rousseff
Presidente da República Federativa do Brasil
No novo tempo, apesar dos castigos,
Estamos em cena, estamos nas ruas, quebrando as algemas,
Pra nos socorrer, pra nos socorrer, pra nos socorrer...
IvanLins.
É com grande pesar que os representantes de entidades e fórum de entidades que subscrevem esta carta manifestam a V.Exa. o seu constrangimento e indignação em face das ações violentas que a população em situação de rua vem sofrendo em diversas cidades do país, pretensamente legitimadas pelo Programa Nacional de Combate ao Crack. Se não fosse trágico e de urgente intervenção, dispensável seria acrescentar que tais ações violam os direitos humanos, os direitos individuais e coletivos previstos pela Constituição Brasileira, especialmente aqueles estabelecidos pelo seu artigo 5º e diversos Tratados Internacionais de que o Brasil é signatário, tais como, o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, as Convenções contra a Tortura e outros Tratamentos Desumanos e Degradantes, a Declaração sobre Segurança nas Américas, entre outros. Essa campanha que se expande pelos quatro cantos do país discrimina, denigre e tortura esse grupo populacional. Com isso, joga no lixo todos os direitos que se desenvolvem a partir da norma constitucional que afirma “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade...” (art. 5º da Constituição Federal). É uma campanha de ódio que criminaliza os pobres que fazem uso ou são dependentes de drogas e deixa livre e impunes os traficantes de drogas pesadas, além de defender os interesses do capital especulativo, especialmente o imobiliário.
Desde 2006, as entidades que subscrevem esta carta, por meio de seus representantes, especialmente as que compõem o Fórum Nacional em Defesa de Direitos para a População em Situação de Rua, vêm contribuindo para a elaboração de Políticas Públicas nacionalmente articuladas, inicialmente no GTI- Grupo de Trabalho Interministerial, e atualmente, no Comitê Intersetorial de Acompanhamento e Monitoramento. O principal produto desta articulação é o Decreto nº 7.053, de 23 de dezembro de 2009, que aguçou a esperança de dias melhores para esse grupo populacional, por meio do acesso a políticas públicas.
Este Decreto prevê como princípios da Política Nacional para População em situação de Rua - PNPSR: a igualdade, a equidade, o respeito à dignidade da pessoa humana, o direito à convivência familiar e comunitária, a valorização e respeito à vida e à cidadania dessas pessoas, além de atendimento humanizado e universalizado. Para ser fiel a tais princípios, o Estado deve promover um conjunto de Políticas Intersetoriais, transversais e intergovernamentais, tal como previsto no art. 7º, inciso II, do referido Decreto.
No entanto, no ano em que seriam anunciadas conquistas para as pessoas em situação de rua em nosso país, o que temos presenciado, e, a grande mídia tem registrado, são as operações sangrentas e segregadoras que parecem visar ao extermínio dessa população: fechamento de espaço público urbano com uso de cavalaria, helicópteros e policiais armados com bombas de gás de efeito moral e armas pesadas, em cenas comparadas a guerras urbanas; revista constante e indiscriminada das pessoas, com intuito de apenas expulsá-las da região, deslocando-as de um lugar para o outro, sem rumo e sem qualquer atendimento social ; intervenção policial com violência mediante prisões ilegais, abuso de poder com utilização de balas de borracha e agressões, que resultaram em muitas pessoas feridas. Entre outros, há relato de uma jovem que foi baleada na boca por recusar a sair do local (O Estado de São Paulo, 9/1/12); destruição e recolhimento dos bens e materiais das pessoas, como colchões, cobertores, documentos, sacolas, fogão, carrinhos de catar papéis, consideradas “lixo”; condução a delegacias “para averiguação“ e identificação compulsória vedadas pela Constituição Federal; além de constrangimentos e humilhações (transporte das pessoas em bagageiros de carros, fotografias, cadastros).
Diante destes fatos, recordamos a mensagem da presidenta Dilma no encontro anual com a população em situação de rua e catadores de materiais recicláveis: “(...) a sociedade e o governo têm um dever em relação à população em situação de rua, e o primeiro deles é proteger a vida e proteger contra a violência (...) uma das formas de combater é deixar a violência bem clara, não deixar que ela se esconda, e, portanto, que ela se espalhe...” Nesse sentido, sentimos o dever de alertar novamente para que o que temíamos e está sendo confirmado. A violência contra esse grupo populacional já se estabeleceu em cidades como São Paulo, Florianópolis e Goiânia. O Comitê e o Fórum, entre outros movimentos sociais, há tempos têm repetidamente insistido em demonstrar para o Governo Federal que a População em Situação de Rua não é caso de polícia, mas sim de Políticas Públicas estruturantes, intergovernamentais, que dialoguem entre si de forma transversal.
Esta situação de quase guerra-civil por iniciativa do Estado não pode continuar. É necessário que cessem as violações e o Estado cumpra os direitos constitucionais supracitados e o que está disposto no Decreto n. 7053/2009. A população em situação de rua não pode mais ser culpabilizada pela situação em que se encontra, em grande parte resultante da omissão do Estado. É preciso ficar evidente que essa população é vítima de um processo histórico e de um sistema econômico que se estrutura a partir da exploração de uma classe social sobre outra, de um sistema que nega a condição de sujeito aos que vivem da venda de sua força de trabalho e constituem a maior parcela da sociedade. As medidas de limpeza humana, provocadas por ações higienizadoras evidenciam ações que já se repetiram em outras cidades sedes da COPA. Os olhos do mundo todo estarão voltados para o nosso país, e o que desejamos que seja visto por eles é um compromisso real com redução da pobreza e das desigualdades sociais, conforme anuncia o governo federal ao assumir o slogan “ Pais rico é um pais sem pobreza”. Esse compromisso pressupõe investir em políticas públicas acessíveis a todos, em segurança pública associada à garantia de direitos humanos e em promoção da dignidade de todos os cidadãos e todas cidadãs de nosso país. E é incompatível com genocídios. Afinal, o desenvolvimento de um país se mede não pela sua riqueza econômica, mas pela dignidade de seu povo, e esta deve estar acima de interesses econômicos e políticos”. É isso que esperamos acontecer com a população em situação de rua.
É por isso, que defendemos como medidas urgentes a serem adotadas:
- A participação do Comitê em todas as decisões que dizem respeito à PSR;
- A liberação de recursos para implementação de políticas habitacionais e de trabalho;
- Cumprimento da Política de Saúde em relação ao álcool e drogas: Consultórios de rua, CAPS-AD, CERSAM, repúblicas terapêuticas, etc.;
- Implantação de Centros de Defesa de Direitos Humanos da população em situação de rua em todas as capitais brasileiras;
- Empenho do governo federal, por intermédio da SENASP e SDH para cessar as violações nos Estados e implementar políticas de promoção humana;
- Imediata constituição de grupo de trabalho com a participação de representantes da sociedade civil para realização de pesquisa de natureza censitária sobre a população em situação de rua, sob coordenação do IBGE.
- Adoção de um Programa Nacional para implementar a Política Nacional, com assessoria do IPEA- Instituto de Pesquisas Aplicadas.
Na expectativa de um pronunciamento favorável, aguardamos pronto retorno, certos de que podemos contar com o seu compromisso.
Cordialmente,
Coordenação do Fórum Nacional de Defesa de Direitos para a População em Situação
Representação da Sociedade Civil no Comitê de Acompanhamento e Monitoramento da Política Nacional da População em Situação de Rua
Contatos
Comitê: Samuel Rodrigues (31) 91773449 e Nina Laurindo ( 11) 91716612
Fórum Nacional: Anderson Miranda (11) 76038719 e Cristina Bove (31) 32938366/91868943
CCópia
Ministros de Estado
Ministro da Justiça –Dr. José Eduardo Cardozo
Ministra da Secretaria de Direitos Humanos – Sra. Maria do Rosario Nunes
Ministro-chefe da Secretaria Geral da Presidência da República do Brasil – Sr. Gilberto Carvalho
Secretarias
Secretaria Nacional de Segurança Pública – Sra. Regina Lukka Mikki
Secretaria Nacional de Promoção e Defesa dos Direitos Humanos- Dra. Maria Ivonete Tamboril
Observação
Informamos que esta carta será publicizada nas redes sociais.
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